quinta-feira, 10 de maio de 2012


FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (PARTE I)

Clemilton da Silva Barros[1]


1  INTRODUÇÃO
O estudo do Direito Previdenciário não se restringe ao disciplinamento dos benefícios previdenciários, dos quais cuida a Lei nº 8.213/91. Passa necessariamente por uma análise minuciosa das contribuições sociais, cuja previsão se encontra nos arts. 149 e 195 da CF, com disciplinamento infraconstitucional pela Lei nº 8.212/91, conhecida como Lei de Custeio da Seguridade Social. São dessas espécies tributárias que provém a maior parte dos recursos destinados ao financiamento da Seguridade Social.

2 SISTEMAS DE CAPITAÇÃO DE RECURSOS PARA O FINANCIAMENTO DAS ATIVIDADES ESTATAIS
O Estado precisa de recursos para fazer funcionar a sua máquina, recursos estes que se prestarão a custear ações ordinárias, tais como a construção de escolas, de  estradas, pagamento de pessoal etc.
Mas além desse custo ordinário, há também um custo social, dito de natureza especial, consistente na proteção prestada ao indivíduo, pelo Estado, todos tendo acesso, pelo menos em tese, às prestações de Saúde, que são genéricas, e às de Assistência Social, desde que comprove ser pobre na forma da lei, e às de previdência social, para aqueles que contribuem diretamente[2].
Para financiar essas atividades estatais, a Constituição Federal de 1988 criou dois sistemas de captação de recursos[3], que podem se assim denominados:
a) Sistema Tributário Nacional, cuidando dos tributos genéricos das três esferas político/administrativas, para custear as despesas ordinárias do Estado (CF, art. do art. 145 ao 162, e o CTN); e
b) Sistema de Financiamento da Seguridade Social (CF, arts. 194 e 195; Lei nº 8.213/91 e Decreto nº 3.048/99).
Essa tese (existência de dois sistemas tributários) tem fundamento na própria jurisprudência do STF, que consagra a natureza tributária das contribuições sociais.

2.1  Aspectos relevantes no estudo dos tributos
O estudo da matéria tributária deve observar a sua sistematização levando-se em conta alguns aspectos em torno dos quais se desenvolvem as principiais características dos tributos, entre estes se inserindo, as espécies tributárias que se prestam a dar suporte financeiro ao Sistema de Seguridade Social, as chamadas contribuições sociais para a Seguridade Social.
a) Aspecto material (ou objetivo). Atinente à descrição objetiva do fato ensejado do tributo, o chamado fato gerador. Ex. “pagar salários”;
b) Aspecto espacial. Refere-se ao local em que ocorre o fato gerado;
c) Aspecto temporal. Momento em que ocorre o fato gerado, fazendo nascer o direito subjetivo do Estado de cobrar o respectivo tributo;
d) Aspecto pessoal (ou subjetivo). Relativo aos sujeitos da relação jurídica tributária;
e) Aspecto quantitativo. Conjunto de informação que permitem a determinação do quantum devido pelo contribuinte, subdividindo-se em: base de cálculo, representa as proporções reais do fato. É o valor em R$ que incidirá o tributo; e alíquota, que constitui a fração ou parte extraída da base de cálculo, compondo o valor do tributo devido.

2.2  As espécies tributárias
Tanto a Constituição Federal (art. 145) quanto o Código Tributário Nacional (art. 5º) enumeram como espécies de tributos: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria.
Em dispositivos subsequentes, porém, a CF (arts. 148 e 149) e também o CTN (art. 217) mencionam outras figuras tributárias com natureza jurídica semelhante, quais sejam: os empréstimos compulsórios e as contribuições sociais ou parafiscais.
Em suma, já é pacífica a classificação do tributos em cinco espécies: I) impostos; II) taxas; III) contribuições de melhoria; IV) empréstimos compulsórios; e VI) contribuições parafiscais (ou especiais).
Para esta análise, interessam particularmente as contribuições parafiscais (ou especiais), em cujo âmbito se incluem as contribuições sociais para o financiamento da Seguridade Social, sobre as quais trataremos com maior vagar mais adiante.

3  COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
A competência tributária pode ser definida como a aptidão atribuída pela Constituição Federal à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para instituírem seus respectivos tributos.
É indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços etc., conferidas por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição Federal. O exercício de tais atribuições é denominado pela doutrina de “capacidade tributária ativa”, não se confundindo com a “competência tributária”.
O quadro a seguir bem demonstra essa dinâmica da competência tributária, com a devida distinção da capacidade tributária:

3.1 Elementos característicos da competência tributária
É a Constituição Federal quem atribui competência em matéria tributária, tomando como referência o pacto federativo, cujo exercício se dá no plano legislativo, mediante a edição de regras abstratas, instituidoras de tributos, e não no campo da arrecadação, que representa atividade administrativa.
Na verdade, pode-se dizer, em última análise, que as competências tributárias são destinadas com exclusividade aos legisladores dos diversos entes federativos[4], sendo indetificadas pelos seguintes elementos caracterizadores:
a) São destinadas com exclusividade aos legisladores, porquanto somente as pessoas jurídicas de direito público dotadas de Poder Legislativo (U, E, DF e M) são detentoras de poder para instituir tributos;
b) São indelegáveis, podendo, porém, ser delegada a capacidade para arrecadar e fiscalizar, devendo ser feita obrigatoriamente a outro ente de direito público, permanecendo a competência com o titular. Não se considera delegação de capacidade o cometimento da simples função de arrecadação outorgada aos bancos;
c) São inapropriáveis, ou seja, não poderá um ente se apropriar do tributo estranho a sua competência;
d) Não são obrigatórias (art. 145 CF), vale dizer, o titular da competência não é obrigado a exercê-la, tratando-se assim de uma prerrogativa de cada titular.

4  COMPETÊNCIA PARA INSTITUIR CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS
A regra constitucional contida no art. 149 prescreve que a União detém a competência exclusiva para instituir contribuições sociais, competência esta que a doutrina achou por bem denominá-la de “especial”, pelo caráter especial que envolve as contribuições sociais.

4.1  Instituição de novas contribuições sociais
O constituinte previu a criação de novas contribuições sociais para a seguridade social além daquelas já instituídas (art. 195, § 4º). Trata-se da chamada competência residual da União.
As novas contribuições sociais podem ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de imposto preexistente. Isto não pode acontecer, porém, em relação a outra contribuição social pré-existente.
No tocante às contribuições sociais oriundas do exercício da competência residual, estas devem ser disciplinadas, sob todos os seus aspectos, pela lei completar que as instituir.

4.2  Competência (capacidade) para arrecadar, fiscalizar e cobrar contribuições sociais
Como já observado, é da União a competência para instituir contribuições sociais, conforme dispõe o art. 149 da CF, observada a exceção constante do seu § 1º, cuja redação foi dada pela Emenda Constitucional nº 41 de  19 de dezembro de 2003, que  dispõe:
Art. 149 (...)
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.
(...).
Nos termo do dispositivos constitucional acima colacionado, os demais entes federativos poderão, excepcionalmente, instituir contribuição social, cobradas de seus servidores, desde que destinadas exclusivamente ao custeio do regime próprios de previdência social criado no seu âmbito.
Pelos termos do art. 33 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009, cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRFB as funções de arrecadar, fiscalizar e outras atividades conexas. Confira-se:
Art. 33. À Secretaria da Receita Federal do Brasil compete planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação, à fiscalização, à arrecadação, à cobrança e ao recolhimento das contribuições sociais previstas no parágrafo único do art. 11 desta Lei, das contribuições incidentes a título de substituição e das devidas a outras entidades e fundos.
Ressalta-se que a competência tributária no âmbito da União é exercida pelo Poder Legislativo Federal, mediante o edição de lei, cabendo à SRFB tão somente as tarefas voltadas para o planejamento, aexecução, o acompanhamento e a avaliação das atividades relativas à tributação, à fiscalização, à arrecadação, à cobrança e ao recolhimento das contribuições sociais, bem como dos demais tributos federais.

5  AS CONTRIBUIÇÕES PARAFISCAIS OU ESPECIAIS
O art. 149 da CF prescreve a possibilidade de a União instituir espécies tributárias distintas daquelas previstas no art. 145, ou seja, outras espécies além dos impostos, das taxas e contribuições de melhorias. É seguinte o teor literal:
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
A CF refere-se apenas ao termo “contribuições”, que a doutrina e a jurisprudência denominaram de contribuições “especiais” ou “parafiscais”, para diferenciá-las da espécie tributária conhecida com contribuição de melhoria.
Trata-se de instrumento de atuação do Estado no âmbito social, na intervenção no domínio econômico e no interesse das categorias profissionais ou econômicas, tendo o constituinte utilizado como critério classificatório a finalidade de cada uma das destacadas delas, representada pela.
As contribuições parafiscais ou especiais podem ser assim classificadas:
a) Contribuições sociais;
b) Contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE);
c) Contribuições Corporativas (de interesse das categorias econômicas e profissionais).
Das três espécies acima,  merecem destaque as contribuições sociais que, por sua vez, subdividem-se em dois grupos: as contribuições sociais para a Seguridade Social; e as contribuições sociais destinadas a fins distintos da Seguridade Social.

6  AS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PARA A SEGURIDADE SOCIAL
Ao Direito Previdenciário interessa, em particular, as  contribuições sociais para a Seguridade Social, porquanto, como o nome já indica, é o produto da arrecadação de tais espécies tributária que dá sustentação ao financiamento da Seguridade Social, constituindo objeto de estudo não apenas deste ramo do Direito, mas também do tanto do Direito Tributário.
Tais espécies tributárias podem ainda ser subdivididas em dois grupos:
a) Contribuições sociais previdenciárias, que provém direta ou indiretamente das relações de trabalho, sendo devidas tanto pelos tomadores de mão-de-obra quanto pelos próprios trabalhadores; e
b)  Contribuições sociais não previdenciárias, cujos fatos geradores são eventos inerentes ao empreendimento, tais como o lucro e o faturamento,  distintos, pois,  das relações de trabalho.
É a própria Constituição Federal, nos termos dos incisos do seu art. 195, que remete a essa classificação das contribuições sociais para a Seguridade Social, na medida em que utiliza claramente dois referenciais para descrever tais contribuições, quais sejam: o elemento trabalho, caracterizado pela relação entre prestador e tomador de mão-de-obra; e o elemento empreendimento, caracterizado pela obtenção de receita, lucro e faturamento.

7  CONCLUSÃO
Como qualquer empreendimento, o Sistema Nacional de Seguridade Social necessita de recursos para alcançar suas metas.
É exatamente a questão da captação de recursos que constitui o ponto mais sensível do sistema, porquanto, além de muito amplo, tem fins por demais ambiciosos, traduzidos no amparo a todos, diante de qualquer contingência social, seja no campo da Saúde, da Assistência Social ou da Previdência Social, esbarrando, portanto, nas limitações de ordem econômico-financeira.
A título de conclusão, experimentamos uma classificação sistematizada das contribuições especiais previstas genericamente no art. 149 c/c o art. 195, da CF, conforme o quadro a seguir.
Contri-buições
Especiais

Contri-buições sociais
Contri-buições p/ a Segu-ridade Social
Contribuições previdenciárias (CF, art. 195, I, “a” e II).
Demais contribuições sociais para a Seg. Social - “NÃO PREVIDENCIÁRIAS” (CF, art. 195, I, “b” e “c”, e III e IV; e art. 239).
Contribuições sociais destinadas a fins distintos da Seguridade Social, tal com o salário-educação (CF, art. 215, § 5º).
CIDE
Intervenção no domínio econômico. Ex. contribuições relativas às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados (EC nº 33/2001).
Contri-buições Corpora-tivas
Categorias profissionais e econômicas (sindicatos, organizações e conselhos (CREA, CRM, CRO, OEB, OAB etc.); e entidades ligadas à organização sindical, conhecidas como serviço social autônomo (SENAI, SENAC, SESC, SESI, SENAR, SENAT etc.).

REFERÊNCIAS
BARROS, Clemilton da Silva. A aposentadoria especial do servidor público e o mandado de injunção: análise da jurisprudência do STF acerca do art. 40, § 4º, da CF. Capinas/SP: Servanda Editora, 2012, p. 46.
CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário. 19.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 434-435.
TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de Direito da Seguridade Social. São Paulo: Saraiva. 2007, p. 48.


[1] Advogado da União; Mestre em Direito e Políticas Públicas; Especialista em Direito Processual Civil; em Direito do Trabalho e em Direito Processual do Trabalho; Professor de Direito Previdenciário e Processo Civil; Autor jurídico  e literário.
[2] Barros, Clemilton da Silva. A aposentadoria especial do servidor público e o mandado de injunção: análise da jurisprudência do STF acerca do art. 40, § 4º, da CF. Capinas/SP: Servanda Editora, 2012, p. 46.
[3] TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de Direito da Seguridade Social. São Paulo: Saraiva. 2007, p. 48.

[4] CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário. 19.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 434-435.

COMO CITAR ESTE TEXTO:
BARROS, Clemilton da Silva. Financiamento da Seguridade Social (Parte I). Disponível em: <http://www.juridicosetc.blogspot.com>. Acesso em   XX mes 20XX.

Um comentário:

Evanildo disse...

Muito bom.

Parabéns Dr. Clemilton Barros.