A APOSENTADORIA ESPECIAL NO SERVIÇO PÚBLICO E A SUA IMPLEMENTAÇÃO PELA VIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO
TESE APRESENTADA NO 30ª CONGRESSO BRASILEIRO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, DISPONIVEL EM:
http://www.ltr.com.br/web/jornal/previdenciasocial.pdf
http://www.ltr.com.br/web/jornal/previdenciasocial.pdf
Clemilton da Silva
Barros[1]
RESUMO: Por falta de regulamentação da aposentadoria especial do
servidor público, o Supremo Tribunal Federal vem enfrentado grande número de
ações de injunção, cujas decisões determinam a aplicação do art. 57 da Lei nº
8.213 (Plano de Benefícios do RGPS). Disso se questiona se o Poder Judiciário se
encontra legitimado a suplantar a inércia do Poder Legislativo, ou se tais
decisões podem ser efetivadas pelo Administrador, concedendo a referida
aposentadoria, haja vista as peculiaridades dos Regimes Próprios de Previdência
Social - RPPS, bem como os obstáculos impostos pela própria Constituição
Federal, tais como o caráter contributivo e a observância do equilíbrio
financeiro e atuarial, entre outros.
SUMÁRIO: 1. Colocação do
problema; 2. Fundamentação da tese; 3. Conclusão; e 4. Referências.
1 COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
A Constituição da República Federativa do Brasil, no seu art. 40, § 4º,
veda a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria
nos Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS, excepcionando, porém, nos
termos definidos em leis complementares, as seguintes situações: a) portador de
deficiência física; b) exercente de atividade de risco; e c) exercente de
atividade sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade
física.
Ainda carente de regulamentação, as referidas hipóteses de
aposentadoria especial nos RPPS têm sendo objeto de grande número de ações de
injunção perante o Supremo Tribunal Federal, em cujos julgamentos a Corte atualmente
vem determinando a aplicação do art. 57 da Lei nº 8.213/91, que regulamenta a
aposentadoria especial no âmbito do Regime Geral de Previdência Social – RGPS,
com previsão no art. 201 da Constituição Federal[2].
Sobre tais decisões, questiona-se acerca da possibilidade de o Poder
Judiciário vir a substituir o legislador, proferindo decisões judiciais capazes
de suplantar a inércia legislativa, determinando a satisfação do direito
obstado[3].
Isto não caracterizaria ativismo judicial inovador?
2
FUNDAMENTAÇÃO DA TESE
A nova postura do STF no
tocante à aposentadoria especial nos RPPS foi demarcada pelo julgamento do MI 721-DF, datado de 27/09/2006, que
suplantou o entendimento até então consagrada no âmbito da Corte[4]. É claro que merece aplausos o novo
entendimento, seja pelo ideal de imprimir efetividade à Constituição, seja pelo
fato de conferir vitalidade ao instituto da injunção.
Vale dizer, a simples
atitude do STF já foi capaz de produzir relevantes alterações no ambiente
jurídico, político e social, gerando considerável expectativa nos seus atores.
Contudo, é possível que o simples comando de aplicação subsidiária do art. 59,
da Lei nº 8.213/91, não surta efeito prático.
A hipótese, com se vê,
envolve dois regimes de previdência. Conquanto
seja regido pelo Poder Público (União), O RGPS tem como clientes os
trabalhadores da iniciativa privada. Já
os RPPS destinam-se exclusivamente aos servidores públicos ocupantes de cargo
efetivo, tendo seu disciplinamento legal estabelecido pela Lei nº 9.717/98,
cujo art. 5º, caput, proíbe
expressamente a concessão de benefícios distintos daqueles previstos para
o RGPS, “salvo disposição em contrário da Constituição Federal”.
Duas das três espécies de aposentadorias especiais previstas para os RPPS
não têm disciplinamento legal no RGPS: a do portador de deficiência (CF, art.
40, § 4º, I) e a do exercente de atividade de risco (CF, art. 40, § 4º, II). A
primeira espécie, embora tenha sido incluída no art. 201, § 1º, da CF, pela EC
nº 47/05, ainda não foi regulamentada, não constando, pois, da referida Lei nº
8.213/91. E a atividade de risco[5]
sequer figura entre as possibilidades de cobertura pelo RGPS. Disso se conclui que
qualquer decisão judicial concedente dessas duas espécies de aposentadoria
especial estará contrariando a disposição do art. 5º da Lei nº 9.717/98[6].
Mais grave é o caso do parágrafo único do destacado
art. 5º da Lei nº 9.717/98, o qual veda expressamente “a concessão de
aposentadoria especial, nos termos do § 4º do art. 40 da Constituição Federal,
até que lei complementar federal discipline a matéria”. Note-se que o ordenamento jurídica prescreve literalmente uma
proibição. Diante disso, não poderia o Poder Judiciário, à revelia da previsão
legal, dispor de forma distinta, a menos que seja antes declarada a inconstitucionalidade
de tal regramento[7].
Por outro lado, conforme
já é assente na doutrina, a aposentadoria especial nos RPPS, diante do seu
caráter de voluntariedade, integra o grupo das aposentadorias voluntárias “por
idade e tempo de contribuição”, para
cuja conquista a Constituição, a partir da EC nº 20/1998, nos termos do seu art.
40, § 1º, inciso III, alínea “a”, passou a exigir, concomitantemente, os
requisitos de tempo de contribuição e idade, ao passo que no RGPS não há essa
mesma exigência, bastando o tempo de contribuição ou a idade[8].
Nos RPPS, é também exigido
“tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público” e “cinco
anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria” (CF, art. 40, § 1º inciso
III), requisitos estes do qual não cogita a Lei nº 8.213/91, pelo que seria
impossível a sua pretendida aplicação analógica aos RPPS.
Há diversos outros
fatores, igualmente elencados pela Constituição Federal, sobre os quais
esbarram as referidas decisões proferidas pelo STF, a exemplo do caráter
contributivo e da necessária manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do
regime previdenciário em questão (CF, art. 40, caput); bem como o prévio custeio do benefício a ser concedido (CF,
art. 195, § 5º).
Note-se que no RGPS, em
se tratando de aposentadoria por critérios diferenciados, o custeio é
patrocinado tanto pelas contribuições previdenciárias comuns (patronais e dos
segurados), como também pelo suplemento contributivo de 1, 2 ou 3% (em razão do
grau de incidência de incapacidade laborativa, decorrente dos riscos ambientais
do trabalho, Lei nº 8.212/91, art. 22, II), integrando ainda tal custeio o acréscimo
de 12, 9 ou 6% nas contribuições patronais, de acordo com a atividade exercida
pelo segurado[9].
Isto, efetivamente ainda
não existe no âmbito dos RPPS, de modo que a concessão de tal benefício
fatalmente violaria o princípio da contributividade, a regra do equilíbrio
financeira e atuarial, e a exigência do prévio custeio (princípio da
contrapartida).
3 CONCLUSÃO
Uma primeira constatação
remete à absoluta impossibilidade de aplicação subsidiária e irrestrita da Lei
n. 8.213/91 à hipótese de aposentadoria especial nos RPPS aos portadores de
deficiência e aos exercentes de atividade de risco (CF, art. 40, § 4º, I e II).
A referida Lei dispõe apenas sobre as atividades exercidas em condições prejudiciais
à saúde ou à integridade física.
Há, pois, de ser
entendido o comando decisório do STF, não como determinante da imediata e
irrestrita concessão do benefício previdenciário, mas apenas como ordem para a
implantação e verificação dos seus necessários requisitos.
Assim se entendo,
estar-se-á contemplando as diversas exigências constitucionais, tais como as
condições gerais e específicas para a obtenção do direito ao benefício e os
critérios e princípios a serem observados tanto pelo legislador quanto pelo
Administrador, caso do princípio contributivo e do equilíbrio financeiro e
atuarial do sistema previdenciário. A menos que o próprio Supremo Tribunal faça
constar da sua decisão os necessários contornos para a efetivação do direito
obstado pela ausência de regulamentação, ele mesmo, STF, observando nesses
contornos as exigências da Constituição.
É dizer, ao invés de apenas
determinar a aplicação de norma similar, que não suprirá a essência da norma
específica, melhor será que o STF, na mesma ação, já indique os elementos dos
quais porventura careça a norma fundamental, estabelecendo, assim, os
necessários contornos ao cumprimento da sua decisão e a efetivação do direito
objetivado pelo impetrante.
Com isso, já proveria o
mandado de injunção de total e direto vigor para garantir ao impetrante o
exercício do seu direito obstado pela omissão legislativa, conforme já o fez no
tocante à questão do direito de greve do servidor público, quando procedeu às
devidas adaptações da Lei Geral de Greve ao caso específico[10].
Nessa senda, da ordem
de injunção já constaria o necessário
regramento, com a devida observância das peculiaridades atinentes aos RPPS, a
exemplo do disposto no caput do art.
40 e no § 5º do art. 195 da CF, indicando para o caso concreto a correspondente
fonte de custeio a fazer face à nova despesa previdenciária, nada impedindo,
porém, o seu repasse ao Tesouro de cada ente federativo, até mesmo porque a
hipótese caracteriza uma situação de transição, haja vista o direito adquirido e
o direito em curso dos atuais servidores.
Tal postura não
configuraria agressão ao princípio da separação e harmonia entre os Poderes,
porquanto não estaria o STF a regulamentar abstratamente a matéria, mister este,
típico do Poder Legislativo, não se falando em ativismo judicial inovador, mas revelador,
cuidando a Corte apenas do cumprimento do seu papel constitucional, sob o
comando do art. 5º, inciso LXXI, da CF, sanando a falha existente no
ordenamento jurídico, até manifestação do órgão legiferante.
O fato é que, em face
do princípio da legalidade, afigura-se temerário o administrador conceder
aposentadoria especial aos servidores públicos sem uma fórmula legal que
equacione os referidos requisitos no âmbito dos regimes próprios, eis que
grande parte das regras do RGPS não são adequáveis aos RPPS, e o administrador
está sempre adstrito ao princípio da legalidade, não podendo agir onde e quando
a Lei não prevê.
4 REFERÊNCIAS
BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Seção de Jurisprudência. Disponível em:
.
Acesso em: 05 jan. 2012.
BARROS,
Clemilton da Silva. A aposentadoria especial do servidor público e o mandado de
injunção: análise da jurisprudência do STF acerca do artigo 40, parágrafo 4º,
da CF. Campinas, SP: Servanda Editora, 2012.
________,
Clemilton da Silva. O rol de benefícios dos regimes próprios de previdência
social e as aposentadorias em espécies. Revista Juris Plenum
Trabalhista e Previdenciária: doutrina, jurisprudência, legislação. Caxias
do Sul, v. 5, n. 27, p. 7-21, dez. 2009.
MARTINS, Ives Gandra da Silva; PAVAN, Cláudia Fonseca
Morato. “Direito Previdenciário Constitucional. Art. 40, § 4.º, da CF. Regime
especial para os servidores públicos em atividade de risco. Sobreposição ao
regime geral. Delegação à Lei Complementar. LC 51/1985. Implementação dos princípios
da igualdade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana. Opinião
legal”. Revista de Direito do Trabalho Sao Paulo, v. 139, p. 199,
jul./set. 2010).
JORGE, Társis Nametala Sarlo. Manual dos Benefícios
Previdenciários: (de acordo com a EC 47/05): benefícios do RGPS (INSS) e dos
servidores públicos (e atuação do Tribunal de Contas). Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006, p. 225.
[1] Advogado
da União; Professor da Universidade Estadual do Piauí; Mestre em Direito e
Políticas Públicas; Especialista em Direito do Trabalho, em Direito Processual
do Trabalho e em Direito Processual
Civil; Autor de obras jurídicas.
[2] As situações previstas no art. 201 da CF (as chamadas
contingências sociais) é que dão ensejo à criação de benefícios previdenciários
do RGPS. A aplicação do referido dispositivo constitucional aos RPPS se dá por
força da disposição do § 12, do art. 40 da CF, que dispõe: “Além do disposto
neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de
cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para
o regime geral de previdência social.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº
20, de 15/12/98). Neste sentido também prescreve o art. 5º da Lei nº 9.717/98.
[3] O tema é abordado com maior substância em BARROS,
Clemilton da Silva. A aposentadoria especial do servidor público e o mandado de
injunção: análise da jurisprudência do STF acerca do artigo 40, parágrafo 4º,
da CF. Campinas, SP: Servanda Editora, 2012.
[4] MI
nº 721/DF. STF, Tribunal Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio, Julgamento de 30/08/2007. DJ
de 30/11/2007,
pp. 29.
[5] Acerca da atividade de risco, importa destacar a discussão
em torno da recepção da Lei Complementar nº 51/1985, que estaria a regulamentar
a aposentadoria do servidor público em tal situação. Sobre o tema, veja-se o
que dizem Ives Gandra MARTINS e Sílvia PAVAN: “Parece-nos realmente superada,
não só pelo TCU, bem como pelo Judiciário, a divergência inaugurada pelo STJ
acerca da recepção, pela CF/1988, da LC 51/1985, [...] a partir do julgamento
pelo STF da ADI 3.817/DF”. (MARTINS, Ives Gandra da Silva; PAVAN, Cláudia
Fonseca Morato. “Direito Previdenciário Constitucional. Art. 40, § 4.º, da CF.
Regime especial para os servidores públicos em atividade de risco. Sobreposição
ao regime geral. Delegação à Lei Complementar. LC 51/1985. Implementação dos princípios
da igualdade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana. Opinião
legal”. Revista de Direito do Trabalho Sao Paulo, v. 139, p. 199,
jul./set. 2010).
[6] BARROS
(A aposentadoria especial do servidor público..., Op. cit. p. 270).
[7] BARROS (A aposentadoria especial do servidor público...,
Op. cit. p. 71-72) observa que a Lei nº 9.717, de 27/11/1998, a quem compete o
disciplinamento das regras gerais para a organização e o funcionamento dos
RPPS, proíbe expressamente que se conceda nos RPPS benefícios distintos dos
previstos no RGPS: “Art. 5º Os regimes próprios de previdência social dos
servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal não poderão
conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência
Social, de que trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, salvo disposição
em contrário da Constituição Federal”.
[8] Sobre o tema: BARROS, Clemilton da Silva. O rol de
benefícios dos regimes próprios de previdência social e as aposentadorias em
espécies. Revista Juris Plenum Trabalhista e Previdenciária: doutrina,
jurisprudência, legislação. Caxias do Sul, v. 5, n. 27, p. 7-21, dez. 2009.
Consulte-se também: JORGE, Társis Nametala Sarlo. Manual dos Benefícios
Previdenciários: (de acordo com a EC 47/05): benefícios do RGPS (INSS) e dos
servidores públicos (e atuação do Tribunal de Contas). Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006, p. 225.
[9] BARROS
(A aposentadoria especial do servidor público..., Op. cit. p. 296-297).
[10] A hipótese ocorreu quando do julgamento dos MMII
670-9/ES, 708-0/DF e 712-8/PA, sobre o direito de greve do servidor público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário